O amanhecer do dia em que se deixa o Capão é nostálgico. Conheci a Chapada Diamantina em meados de 1989, numa viagem em que fui com meus pais a Lençóis, excursão essa organizada pelo Encontro de Casais com Cristo, um grupo da igreja católica (aghhh!). Quando criança, era obrigado a participar desta merda de encontro forçadamente, odiava, mas não imaginava que eles me proporcionariam uma descoberta dessas na minha vida, só pode ser coisa de Jesus Cristo mesmo.
De lá para cá, essas viagens se repetiram muitas e muitas vezes, cada vez que meus pais anunciavam uma excursão a Lençóis, minha vida mudava, tornava-se ansioso para ir e depressivo na volta. Curtia todos os momentos da aventura, limitado ao olhar tenso de minha mãe na Gruta da Lapa Doce, Morro do Pai Inácio, Poço azul, Poço Encantado. Prometi fazer tudo aquilo novamente da forma que me desse na telha, a limitação maternal me privo de muitas coisas naquela época.
Entre uma atração e outra, ouvi muito se falar em trilhas que levariam cinco, seis dias, trilhas que eles chamavam de cachoeira da fumaça por baixo, Vale do Paty, 21, e muitas outras. A idéias de trilhar por cinco dias, acampar no mato, fazer fogueira a noite, ficou na minha mente infantil por muito tempo.
Permaneci um longo período sem pisar os pés na Chapada Diamantina, creio que de 94 até 97. Já emancipado, poderia viajar sozinho e comecei a organizar a coisa. Busquei informações de um amigo que já tinha feito a trilha e se encantado a tal ponto de morar em Lençóis. Seus relatos me seduziram definitivamente, ele me conseguira um número de um cara chamado Trajano, guia experiente da Chapada, nascido e criado no mato.
O destino era a trilha da cachoeira da fumaça por baixo, segundo medições esportistas, uma trilha de grau quatro, com muita caminhada por leito de rio, escaladas em fendas e cachoeiras.
Depois de um contato com Trajano, marcamos a trilha, era carnaval e eu estava doido para voar desta cidade. Cheguei em Lençóis no mesmo dia de partir para a trilha, Trajano já me aguardava na rodoviária. Apesar de ter vivido no interior, ter estudado pouco, Trajano não era burro, tinha noções de ecologia, política e cultura mundial, já que o contado com turistas era diário. Falava inglês intermediário, arranhava no espanhol e era o Guia oficial de Jimmy Page (Led Zepellin), ao qual ele chama intimamente de “Jim”.
Certamente essa trilha foi o ponto de partida oficial para a minha vida em busca de natureza, expedições e viagens pelo Brasil e recentemente pelo mundo. Foi nessa viagem também que conheci o Capão, lugar que transformei no meu reduto, aconteça o que acontecer, todo ano tenho que visitar esse lugar.
Conheci o Capão através da trilha que fiz com Trajano, pois o fim da trilha acabava já na fumaça, subimos a cachoeira e fizemos a rota fácil de volta até o Vale do Capão, de lá seguiria para Palmeiras e depois Salvador.
Essa curta passagem no Vale me deixou saudades, pois quando retornei da trilha, ainda fiquei por cerca de três dias no camping Arco-Iris. Acordar e dar de cara com Candombá, do outro lado o Morro Branco, pico mais alto de lá, cerca de 1500 metros de altitude foi foda demais. Quando chegamos da trilha pelo Vale já era noite, e eu ainda não tinha captado o clima do lugar, pela manha, ao sair da barraca tive essa agradável surpresa.
A minha relação com o lugar então se tornou carnal, de 97 para cá, não existe um só ano em que eu não vá algumas vezes, e ao logo desse tempo, levei muitas pessoas para ter o seu choque, seu momento de paixão pela terra encantada.
Leonardo Parente